Tag Archives: Joanne Harris

Livro. Leitura.

[…] Para onde quer que Joe tivesse ido, tinha levado as sementes consigo. Mas para onde teria ido? Os mapas ainda estavam pendurados nos seus lugares na parede, demarcados e assinalados com a pequena letra minuciosa de Joe, mas não havia nenhuma pista para onde teria ido. Não havia nenhum padrão nos seus variados itinerários, as linhas coloridas juntavam-se numa dúzia de pontos diferentes: Brasil, Nepal, Haiti, Guiana Francesa. Procurou debaixo da cama, mas só encontrou uma caixa de cartão cheia de revistas velhas. Tirou-as para fora com curiosidade. Joe nunca fora grande leitor. Exceptuando o Herbanário de Culpeper e um jornal ocasional, raramente o vira a ler o que quer que fosse, e quando lia, fazia-o com aquela lentidão de cenho franzido de alguém que deixara a escola aos catorze anos, tendo de seguir o texto com o dedo. Mas estas revistas eram velhas e amarelecidas, apesar de terem sido guardadas na caixa com cuidado e recobertas com um pedaço de cartolina para que o pó não as estragasse. As datas na capa foram uma revelação: 1947, 1949, 1951, 1964… Eram velhos exemplares da National Geographic.

Sentou-se no chão por uns minutos a revirar páginas tornadas crespas com o tempo. Havia algo de reconfortante nestas revistas, como se, simplesmente por as tocar, conseguisse trazer Joe para mais próximo de si. Aqui estavam os lugares que Joe tinha visto, as pessoas entre as quais Joe tinha vivido – recordações, talvez, dos seus muitos anos pela estrada fora.

Aqui estava a Guiana Francesa, o Egipto, o Brasil, a África do Sul, a Nova Guiné. As capas outrora brilhantes jaziam ao lado umas das outras no chão poeirento. Reparou que Joe tinha marcado algumas passagens a lápis e que fizera anotações noutras. Haiti, América do Sul, Turquia, Antártida. Eram estas as suas viagens, era este o itinerário dos seus anos de errância. Cada uma datada, assinada, codificada em muitas cores.

Datadas e assinadas.

Um frio dedo de suspeita percorreu-lhe a espinha.

Começou a compreender, no início lentamente, mas depois virando as páginas com uma certeza crescente terrível. Os mapas. As histórias. Aqueles exemplares antigos da National Geographic e cujas datas remontavam até à guerra…

Olhou fixamente para as revistas, tentando encontrar outra razão, algo que explicasse. Mas só podia haver uma explicação.

Aqueles anos pela estrada fora nunca tinham existido. Joe Cox era mineiro e sempre fora mineiro, desde o dia em que deixou a escola até ao momento em que se reformou. […] Todas as suas experiências, as suas histórias, as suas aventuras, as suas escapadelas por um triz, os seus feitos de capa e espada, as suas damas no Haiti, os seus ciganos viajantes – fora tudo tirado desta pilha de revistas velhas…

[…]

in Vinho Mágico (Joanne Harris)

Deixe um comentário

Filed under livros